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2012-09-09

Sobre protestos, nudez e pluralidade


(esse post foi escrito pro Minoria é a mãe, na verdade. mas ele ficou meio ~datado~ e vou postar outra coisa, então vai aqui mesmo antes que se perca nas profundezas do google docs.)

Uma crítica comum contra pessoas que protestam nuas é que elas estão prestando um desserviço à causa feminista. Especialmente se essa pessoa tiver peitos. Aliás, principalmente porque essa pessoa tem peitos. O argumento é que a nudez seria uma forma errada de chamar atenção, especialmente a atenção de homens que objetificam essa nudez e não estão nem aí para o protesto em si.

A verdade é que isso acontece, sim. Se a mulher anda por aí com o corpo descoberto, ela está desrespeitando as pessoas. Ou, pior ainda, provocando os homens! Roupa curta demais? É uma vagabunda, está querendo se mostrar, provocar, depois não reclame se for estuprada. Roupa nenhuma, então? Putz. Dificilmente uma pessoa que estiver em algum lugar com os seios à mostra não será objetificada, avaliada como um pedaço de carne. É por essas e outras que pra muita gente ainda é ineficaz, sim, ver uma pessoa nua protestando por algo.

Ainda assim, eu não considero um desserviço. Não sou eu quem vai decidir qual forma de protestar é válida e qual não é, mas não me parece que tirar a roupa seja uma das inválidas em todos os contextos. Pode ser mal interpretado? Pode, sim. Mas até aí todas os ativismos podem, e isso não é razão para eles deixarem de existir ou de se manifestar. Até porque, se nos lembrarmos bem, eles são mal interpretados justamente por causa do motivo pelo qual protestamos. Irônico, não?

Colocando isso de uma forma mais simples, eu vejo o ato de tirar a roupa em protesto mais ou menos como ressignificar termos. Queer, por exemplo. Até pouco tempo atrás, a palavra queer significava apenas bicha ou estranho, em inglês. Hoje em dia essa palavra perdeu tanto do seu significado ofensivo que vem sendo usada para designar todas as identidades não-hetero e/ou não-binárias. Em algum momento, convencionou-se que devemos usar roupas para “esconder nossas vergonhas”. Não é que amanhã todo mundo deva sair de casa pelado e seguir alegremente para o trabalho; é só que existe um trabalho enorme de desmistificação da nudez a ser feito, que está diretamente relacionado a cultura do estupro. É só que toda vez que uma mulher aparecer nua, ela será avaliada e sexualizada. 

O assunto voltou à tona com as dúvidas ao redor do Femen Brazil. Outras pessoas já falaram disso melhor do que eu, mas o que eu queria mesmo comentar era a pluralidade de manifestações de cada causa. Uma das primeiras coisas que eu li quando comecei a ter contato com o feminismo foi uma frase muito simples: não existe um só feminismo. Parece um conceito estranho quando você vê de fora, ainda sem conhecimento nenhum sobre o assunto, e só depois passa a fazer sentido. Quando pensamos em um movimento - seja ele o feminista, o LGBT* ou o anti-racista, por exemplo -, achamos que todos os membros dele estão lutando por um mesmo conjunto de ideais, que seguem os mesmos “preceitos”, que concordam em tudo. Mas isso não chega muito perto da verdade. Existem manifestações diferentes, interpretações diferentes e ramos diferentes - e eu estou longe de conhecer sequer metade deles ainda. Existem, claro, bases em comum e identificação, mas o que eu percebo é que é a ideia da “incoerência” que é usada como argumento para invalidar não apenas a reinvidicação, mas sim até mesmo a existência de um movimento qualquer.

“Se existe preconceito dentro do movimento LGBT*, como vocês podem ter direito de lutar contra o preconceito?”

“Como levar a sério o feminismo se existem divergências?”

Existem minorias dentro das minorias. Existe preconceito dentro de movimentos contra o preconceito e, não, isso não é certo mesmo. E, no entanto, isso não invalida a causa. O fato é que há muito mais coisas pra se lutar e que o buraco é bem mais embaixo - crescemos todos no mesmo contexto que tentamos mudar e, como todo o resto, também precisamos ser mudados.

Hoje em dia o que eu acho estranho não é ver duas pessoas que defendem a mesma causa discordando de um ponto, mas sim imaginar um movimento em que não houvesse diálogo, em que a única coisa que bastasse fosse preencher certos requisitos e ser permitido fazer um protesto “limpinho”. Quando se propõe mudança, se propõe conversa.

Dentro dessas nuances estão as diversas formas de protestar e conscientizar. Eu posso ir numa marcha, posso tirar a roupa ou não, posso escrever um livro, escrever um post, dedicar minha vida acadêmica aos estudos de gênero, aplicar isso em outra área, posso falar sobre isso com as pessoas que convivem comigo, posso subir em algum lugar com um microfone e tentar falar com mais gente, posso fazer um zine, posso promover discussões, posso fazer tudo isso e muito mais, e posso até mesmo ser atingida por alguma dessas atitudes e me tornar uma parte do resultado positivo que faz com que elas continuem. Será o suficiente? Talvez nenhuma dessas ações seja, a curto prazo. Mas isso não as torna menos importantes.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Até porque, se nos lembrarmos bem, eles são mal interpretados justamente por causa do motivo pelo qual protestamos."
Esse era exatamente o que comentário que ia fazer! Amg, você achar um ultraje as garotas protestarem sem roupa é exatamente o motivo delas estarem protestando sem roupa. Já passou da hora de desvincularem nudez de sexo (e, logo, algo vulgar, que deveria ser escondido).

E, na boa, risos com essa necessidade de arranjar QUALQUER MOTIVO pra invalidar uma causa. É como aquela tirinha do "you suck at math / girls suck at math". Só porque tem meia dúzia de pessoas que são babacas e ativistas de alguma coisa, não quer dizer que o movimento é inválido. Eu fico tão absurdamente puta com essas generalizações, como tem gente que absolutamente se recusa a enxergar que esses movimentos são necessários. É como se sentissem pessoalmente ameaçadxs, não faz o menor sentido.